segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Da CARROÇA DAS SETE VIAGENS

 

 

Em dias de enchente

O rio vomitava casas

E hipnotizava gado em redemoinhos.

 

Em dias de enchente

Dona Rosário perdia tudo e não chorava

Só para não engordar o rio.

 

Nozinho e eu, agarrados

No galho grosso da árvore afogada,

Só queríamos parar o rio com os pés.

Não havia perigo.

Tudo era natural, né Nozinho.

 

Sempre adorei as enchentes.

Elas me enchiam de circo e de cinema.

 

Após a tempestade

O rio virava caligrafia chinesa.

Pronto a nos afogar em seus mistérios

De renovação e pressa,

Ele afrontava os descaminhos dos peixes

Para um dia poder multiplicar os homens.

 

O rio desrealiza os endereços

Com sua língua de lagarto

E com seus dentes de crocodilo.

Há uma beleza trágica em suas gengivas.


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