quarta-feira, 28 de outubro de 2020

CAIXA DE FERRAMENTAS

 

Raiva é um mosaico de emoções confusas e interconectadas ou sequenciadas. Ela surge diante da percepção de orgulho ferido por causa da frustração de não ter sido atendido em suas expectativas mentais, diante da carência revoltada de infância que ainda não foi trabalhada, diante da percepção de injustiça do mundo para com as próprias limitações, diante da comparação com outras pessoas e situações, diante da resistência em aceitar as diferenças por falta de consciência ou por falta de maturidade emocional, diante da incapacidade de pensar fora da caixa. Assim como o mecânico de automóveis tem a sua caixa azul de ferramentas, nós também carregamos uma caixa de respostas ensaiadas de raiva para cada contratempo na vida. Parece que, nos momentos de checar a realidade, nós falhamos em lembrar de nossa diplomacia, nossa capacidade de comunicação e persuasão, nosso instinto de bater em retirada para não adotar nem nos alimentarmos com a raiva dos outros, nossa inteligência emocional de perceber nossos primeiros sinais de agressividade que nos distanciam da negociação. Quanto mais raiva, menos consciência, menos respeito, mais descontrole, mais separação, mais alma nublada.

 


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

RENDIÇÃO

 

“Oh Deus, por que me abandonastes?”, frase dita por Jesus crucificado em seus últimos minutos de vida, significa a declaração de que ele havia perdido tudo na vida, família, ensinamentos, amigos e discípulos, esperança, sentido, memória, corpo, saúde, identidade, dons de fazer milagres, tal qual nos acontece quando passamos pela noite escura da alma e somos lançados na sarjeta do nada, desalmados de pertencimento traduzido como desamor e descrentes da existência divina, mas orgulhosos demais para render. Apenas duas realidades ainda permaneciam com Jesus até aquele momento. A existência de Deus, com quem ele conversava e a quem ele se referia como seu Pai e a vontade de pertencer, para não ser traduzida somente como abandono. Na condição de humanos e mortais, somos capazes de chegar até a este ponto de desapego, a noite escura da alma, onde a nudez existencial nos joga desfalecidos no chão da insignificância total. É somente aos Santos e Iluminados que é dada a capacidade de aceitar perder-se da equação e permitir que somente Deus ocupe a realidade última. Foi quando Jesus disse: “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu Espírito”. Render-se a esta verdade nos abre os portais do céu e da Consciência Suprema.