SETE MIL LÁGRIMAS SINCERAS
Havia um cone contador à disposição de todos e uma
fila interminável. Alguém estava contando suas lágrimas em vida, conhecendo
detalhes da soma e origem, as lágrimas espontâneas, as dolorosas, as doloridas,
as causadas, as imaginadas, as saudosas, as sinceras, as de crocodilo, as de
parto, as de medo, era tudo registrado em vida da maneira mais descriminada
possível. Logo ao lado, havia uma máquina de dissolução eterna para
desconstruí-las do processo mental. Cada pessoa era atendida num átimo de
segundo, pois a fila tem que andar. Bastava tocar na máquina com a intenção
desejada e pronto. Aquela senhora contou sete mil lágrimas sinceras, movendo
meu coração com neutralidade. Hesitei bastante para escolher meu melhor tema de
recontagem, algum assunto que tenha sido recorrente demais sem meu entendimento
racional, ou algumas ações que tenham me afastado de minha autenticidade, sei
lá. Nada era relevante. A fila andava, quase chegando minha vez. Deixei várias
entidades passarem à minha frente, assoviei melodia de pássaros, cocei o chakra
coronário, respirei ondas verdes para obter inspiração memorialista e nada. A
fila era obrigatória, ou melhor, natural. Tudo fluía com naturalidade, menos
eu.
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