quarta-feira, 6 de setembro de 2023

AUTOBIOGRAFIA DE UM MORTO (03)

 

A CASA DAS MIL MENTIRAS

Achava que a culpa era do ambiente, do país onde eu havia nascido ou do núcleo familiar onde eu fora gerado, afinal é tão fácil responsabilizar os outros pela nossa infelicidade. Meu alter ego revelou tudo. Era tudo mentira, jogo de palavras e de comportamentos, auto enganação, trocas afetivas imaginadas, promessas e cobranças, primeiras intenções, realidades convidadas, tentações, tudo mentira deslavada e empacotada em papel de presente. Meus dramas, mentira. Minhas emoções, mentira. Meus desejos, mentira. Bem que me avisaram, tudo é vaidade, tudo é ilusão. De repente, bateu uma baita contradição. Se tudo foi mentira, não deve haver motivos para condenação eterna, muito menos céu e inferno. Se tudo foi mentira, só houve apego e cinema. O corpo é uma casa sem dono, alugada por um espírito, mas habitada por uma mente fugaz. Peguei carona nele. Acabou a viagem, fui deixado na cidade vazia. O que restava de autopercepção, resumia-se novamente num rol de mentiras, num cordel de representações. Só não sabia como viver agora sem mentir.

 


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