quarta-feira, 6 de setembro de 2023

AUTOBIOGRAFIA DE UM MORTO (04)

 

O VOO QUE NUNCA CHEGOU

Foi sensação de voo, mas interminável, passageiro do oculto mais óbvio do universo. Voar pela infância, sentindo-se amparado por anjos e pela mãe de aluguel. Voar pela adolescência, sendo amparado pelo desejo de outros corpos como autorreferência. Voar pela juventude, amparado pela velocidade das conquistas sem propósito elevado. Voar pela idade adulta, desamparado, buscando significância e perdão. Voar pelo passado recordável, mas perdendo as paradas no que preferi esquecer. Voar pelo espaço branco do futuro, sem mapa e sem brevê. Voar pelas realidades criadas, pela imaginação desejada, pelos sonhos reciclados e pelos personagens caricatos de interação. Voar sem chão para pousar, sem asas para turbinar, sem combustíveis para mudar direção no caminho sem volta. Voo solitário. Voo sobre incógnitas sem radar. Curvas desperdiçadas de medo, aterrissagens fracassadas, turbulência assustadora. Sinto que não houve partida nem chegada, uma vez que não havia passageiros para desembarcar na minha história. Pode continuar voando, disse alguém, indefinidamente, até cair em si.


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