Quantas vezes deixamos o sentimento da raiva nos cegar, o sentimento de abandono nos isolar mais ainda, o sentimento de rejeitar uma realidade nos consumir como se fôssemos com isto alterá-la depois de tantos anos. Somos mestres na arte da ilusão. Agarramo-nos à estória criada e repetida infinitamente como âncora, para justificar nossas fugas e para fugir da responsabilidade de assumirmos nossas próprias reações diante do que a vida nos apresenta.
Com raiva, encontramos pessoas para servir de saco de pancada já que não conseguimos controlar a fúria de nossos pensamentos. Com solidão, optamos por nos desprezar ainda mais. Com rejeição, distorcemos os fatos e nos apoiamos sobre uma série de posturas de mártir. Dentre as três citadas, a pior é a última.
Cada vez que negamos uma realidade, assim o fazemos para nos anestesiarmos da dor sofrida, mas ao distorcermos esta mesma realidade, percorremos o caminho duplamente doloroso de visitar o trauma diariamente, de recordá-lo com pessoas erradas e desinteressadas, de nos esquecermos de quem está ao nosso lado necessitando de nossos cuidados. Ao distorcermos uma realidade, assumimos um relacionamento ilusório com uma imagem criada sobre uma determinada pessoa, não com a pessoa. A estória criada sobre o trauma transforma-se na verdadeira oração diária, ou na verdadeira religião professada tragicamente em lágrimas constantes. O apego à esta estória ou pessoa é nossa forma inconsciente de usá-la para nossas compensações emocionais..
A vida se esvai, o tempo nos ignora, as rugas rabiscam linhas íngremes no território facial e no coração envelhecido de tanto se descuidar. Até que um dia perdemos algo muito valioso, sentimos o choque da segunda perda como substituta da primeira, desistimos de viver e colocamos a culpa no destino ou em Deus. E tudo não passou de uma vida de ilusão.
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