Quem
consegue passar um ano inteiro sem ler sequer um livro, mal sabe que caiu em
desuso cultural, ou perdeu o polimento do olhar ou foi aprisionado na cela da
mesmice. O livro é uma experiência solta no ar, flutuando entre as ruas,
fugindo daquilo que derrama escuro nos horizontes. O livro é um livramento das
noites mal contadas, dos dias novelados, das tardes esbugalhadas de espera. Ele
não se cansa de paginar. Não se impressiona com epílogos. Não prefacia a página
em branco da vida. Não se deita nos rodapés de cansaço explicativo. O livro lê
o leitor em voz baixa, em sussurros e murmúrios, em odes onomatopeicas, sem
necessidade de tradução. Seu cheiro tem cheiro de muitos, cheiro de vertentes e
tocaias, cheiro de incógnitas e intimidades, cheiro de malmequeres à procura do
bem amado. Por isso eu o abro na cama, me deito torto ao seu lado e durmo sobre
seus lábios quando a noite me possui.
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