Se tivesse duas pernas,
talvez ninguém olhasse para o Saci, nem ele seria tão famoso. A falta não faz
falta em muitos casos. A falta preenche, compensa, completa, substitui. Conheço
pessoas que, de tanta falta, se encheram de iniciativa e de ambição até vencer
na vida. Outras, de tão escassas, garimparam oportunidades transformadoras por
não ter mais o que perder. À Deus, falta-lhe um corpo material, nem por isso se
desendeusou no universo. À Lua, falta-lhe brilho próprio, mesmo assim
conquistou a noite mais do que os morcegos. Ao Rio, falta-lhe medida, muito
embora seja auxiliado pelas margens e pela coragem de invadir casas. Conheço Estômagos
a quem falta alimento, nem por isso deixam de roncar, de engolir o peso da
saliva ou de comer biscoitos de barro no Haiti. Conheço Pinturas sem cor, ainda
andantes nas ruas da cidade, em busca de tendências para tratar a depressão, com
pílulas de pouca esperança. A falta marca presença em todos os vazios. Ela não faz falta nem a si mesma.
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