sábado, 21 de janeiro de 2023

SACI

 

Se tivesse duas pernas, talvez ninguém olhasse para o Saci, nem ele seria tão famoso. A falta não faz falta em muitos casos. A falta preenche, compensa, completa, substitui. Conheço pessoas que, de tanta falta, se encheram de iniciativa e de ambição até vencer na vida. Outras, de tão escassas, garimparam oportunidades transformadoras por não ter mais o que perder. À Deus, falta-lhe um corpo material, nem por isso se desendeusou no universo. À Lua, falta-lhe brilho próprio, mesmo assim conquistou a noite mais do que os morcegos. Ao Rio, falta-lhe medida, muito embora seja auxiliado pelas margens e pela coragem de invadir casas. Conheço Estômagos a quem falta alimento, nem por isso deixam de roncar, de engolir o peso da saliva ou de comer biscoitos de barro no Haiti. Conheço Pinturas sem cor, ainda andantes nas ruas da cidade, em busca de tendências para tratar a depressão, com pílulas de pouca esperança. A falta marca presença em todos os vazios.  Ela não faz falta nem a si mesma.


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