quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O AMOR QUE AINDA VAI ACONTECER


Hoje o vento fez meu coração cogitar se abrir inteiro para a sua chegada. Era um sopro de aprovação, um salto no escuro do esquecimento de velhos amores, rumo à raiz de uma nova estória que se escreve mais com fantasias do que com suores de dois corpos cálidos.

Hoje o vento fez meu coração trincar a areia do deserto e permitiu nascer a flor do desejo. Era o início de formação de um jardim de pensamentos, cada um com tons e multitude de sonhos, sem o peso das estações flutuantes que nos tiram o chão quando amamos de verdade. Era mais um sopro de ilusão.

Ao subir à proa, me dei conta de todas as possibilidades de um amor cinematográfico que podem, ou não, me conduzir por naufrágios ou brisas tropicais, enquanto o telefone não toca e o meu coração tambor dispara mais um samba de uma nota só. Haverá ainda tempo para finalizar esta estória de amor que nem começou? Este berço, este altar, esta cama de amores proibidos, onde a realidade se impõe para reduzir dois universos em um beijo desesperado e insano? Onde reside a lâmina que vai desatar o que se esconde no silêncio das noites solitárias? Pode um amor brotar sem a umidade dos desejos mais alucinantes?

Uma tempestade de dúvidas apareceu sobre suas imagens. Este amor ainda não se conheceu, ainda não conheceu a espera nem a mudança, a promessa nem o encanto, a surpresa nem o espanto. Este amor ainda não se curvou ao tempo nem ao destino, ainda não se entristeceu nem se exasperou de vez, ainda não confundiu o descompasso e o compasso dos poemas que não foram escritos. Ele tem o tempo necessário para construir uma trama complexa de ciúmes e admiração, de medos e incertezas, de raivas e paixões desmedidas. Ele tem a força para se esconder e se mostrar, se perder e se achar, de partir sem querer voltar, de ficar sem querer pensar no amanhã. Ele não conhece alianças nem bodas, preparações nem impertinências, compromissos nem indiferença. Ainda não saiu do broto.

Este amor ainda vai olhar para o céu e conversar com estrelas fugazes sobre os mistérios de um relacionamento, sobre as entranhas de um sentimento, sobre as profundezas de um esquecimento indesejado. Vai olhar para a linha do horizonte e arriscar alguns passos na corda bamba da confiança, sem a rede da integridade por perto. Vai olhar para trás e ler em suas pegadas o que ainda vai riscar a pele e deixar as marcas do encontro e do desencontro. Vai olhar para dentro e se desmanchar no calor lancinante do prazer de amar e ser amado, de se entregar ou de ser conquistado, de harmonizar as emoções e caminhar de mãos dadas.

Nada disto tudo acontecerá se não houver antes a autorização para amar você, se não houver o primeiro encontro ou o primeiro olhar, se não houver antes a carência de se ver perdido no infinito das horas, pois que o amor é a percepção da grandeza do infinito denunciando a solidão do absoluto. Só quem experimenta o vazio sabe o tamanho do amor que vai acontecer quando você passar pela primeira vez diante do olhar distraído e morno. Sem vazio não há espaço para o amor imensurável de que o coração é capaz. Todo vazio prenuncia a autorização vulnerável para a chegada triunfante de deuses e deusas.

Enquanto isso, o carro passa, a chuva se organiza musicalmente, o tempo procura pela brincadeira dos meninos atrás do instante, e o meu coração ousa recitar seu nome. Mais uma vez.

Um comentário:

GENTE QUE PENSA 2012 disse...

Como sempre é um prazer ser seus artigos.