Por mais que acreditemos ter uma identidade
definida, identificável por todos, constante e previsível, há certas coisas e
situações que nos quebram as estruturas, partem nosso coração, e nos deixam
desorientados faltando um pedaço.
O inesperado muitas vezes nos rouba o chão, a
lucidez e o giz de nossas palavras. Tudo o que nos afasta da zona de conforto,
do território confiável dos amantes, da estabilidade financeira e emocional,
leva-nos pela correnteza da dúvida e das incertezas. Ao perder alguém,
importante para o nosso vínculo, perdemos com ele certa referência de vida e
não sabemos qual direção vai garantir nossa sobrevivência. Ao receber um gesto
de desamor ou de traição, tudo o que fizemos parece ter sido em vão, perdemos o
valor dentro de nossos olhos tristes e desistimos de viver com determinação e
fé. Ao sofrer uma acusação injusta, acreditamos ter nossa imagem para sempre
arranhada ou deformada como uma queimadura de terceiro grau, pensando nunca
mais recuperar a unidade e tememos a loucura.
Fragmentados, não sabemos mais quem somos, quem
fomos nem o que queremos para o dia de hoje, quanto mais para o futuro.
Fragmentados, não pensamos o certo, não fazemos alianças favoráveis, não
perseguimos sonhos e não encontramos a saída. O pudim já não é mais gostoso, o
beijo ficou gelado, a conversa ao telefone incomoda a alma. Sabemos estar dentro
de um túnel escuro, dentro de um cofre trancado a sete chaves, numa aeronave
perdida hà anos luz do quintal de casa, mas nada insiste em fazer sentido.
Queremos acordar e não sabemos como. Só sabemos, numa réstia de memória
amarelada pela dor, que é possível lamber as próprias feridas e despertar para
uma vida diferente ou melhor, pois a agonia nos cansa. Até que um dia um
sorriso de uma criança inocente, pré-verbal, nos informa que para despertar só
precisamos estar inteiros.
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