O que eu não sei dizer adormece em mim em sono profundo de infância, embalado pela ausência de quem eu mais precisava. O que eu não sei dizer, pediu para se esconder de vergonha debaixo de um papel de seda, amassado pelas mãos do tempo. O que eu não sei dizer, perdeu a voz das entranhas e se perdeu no esôfago das fantasias irrealizáveis.
Há muita coisa para ser dita, mas esta boca, censurada pela frieza de tantos, mal sabe balbuciar meus desejos mais recônditos. Esta língua imobilizada pela pressa dos homens já não consegue devolver o néctar de minhas esperas cansadas. Esta garganta travada camufla os trovões com que eu queria rasgar o céu de meus algozes. Muita coisa para ser dita, ditada e acompanhada no silêncio de uma pausa para alucinar com orgulho. Muita coisa que eu não sei dizer que sei. Muitos lugares internos para quem não veio me buscar na noite solitária.
O que eu não sei dizer de mim procura pelo que você não soube dizer de nós, procura desesperadamente pela forma das palavras claras e precisas, procura pelos movimentos de olhos que perscrutam o infinito gelado e distante de nossas mãos idosas. O que eu não sei dizer de mim se foi com o vento das desistências amargas, posto que fiquei para trás das cortinas do encontro, sem revelar-me que a vida passou, passou, passou, enquanto eu trocava as fronhas do inconsciente no quarto escuro de meus medos.
Ah, o que eu não pude dizer me apagou com borracha, me substituiu com tintas confusas, me rabiscou em impaciência e anulou o verbo de minhas carícias. O que eu não pude dizer saiu pela tangente, mudou de ângulo e de destino e desapareceu nas veias contaminadas de cinza e negro. A palavra não pode me dizer, não pode me roubar a fala, não pode me conceder o benefício dos livros abertos. E eu fiquei só, aqui, enxugando as letras molhadas que não foram usadas, enquanto ainda havia vida em mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário