sexta-feira, 5 de agosto de 2011

DEVIA TER AMADO MAIS

Enquanto a vida passava eu estava ocupado demais com os meus pensamentos desorganizados, com planos mal feitos, com carências mal atendidas, com contas a pagar, com a vida alheia, com coisas insignificantes e ilusórias ou inúteis. Enquanto a vida passava eu ficava olhando para o meu umbigo, crente de ser o centro do universo, esperando que os outros orbitassem meu egoísmo e me cobrissem de serventia, desejoso de que todos se tornassem os solucionadores de todos os meus problemas pessoais.
Enquanto o sol se punha eu me escondia da vida, assustado com tamanha escuridão da alma, mal sabendo que ela tinha sido substituida pelo poder mental e seus desarranjos conceituais, desprotegido dos ataques psíquicos que tentam nos atingir diariamente pela nossa falta de fé no Altíssimo. Enquanto o sol se punha, aberto e reluzente, majestoso e humilde ao mesmo tempo, eu me confundia verbalmente no trono da arrogância e ordenava raivosamente que se retirassem da minha frente todos aqueles que não me obedecessem, todos aqueles que discordassem de minhas intempéries ou filosofias baratas, todos os que tivessem planos que me excluiam da significância popular.
Enquanto as flores perfumavam o jardim do mundo, eu me distraia com o esterco das ignorâncias maléficas, das palavras invejosas e diminuidoras da dignidade humana, ora agindo como adultos mimados, ora derrubando os cristais da loja para para que percebessem minha apagada existência incompleta. Enquanto as flores perfumavam o mundo, eu espalhava meus odores fétidos de quem escolheu a violência para satisfazer meus desejos mais animalescos e imediatos, sem vida, sem aroma, sem fragrância, sem essência, até que um dia alguém me varresse de seus domínios.
Agora me dou conta de que devia ter vivido mais, ter dito “eu te amo” para todos os que me sorriram, ter cantado a melodia da gratidão em cada amanhecer, ter enviado ao mundo palavras coloridas e saborosas para a delícias de seus ouvidos, ter estendido mais a minha mão para o meu espelho que escondia o que sou na fronte de cada criatura humana, ter respirado com pausas mais duradouras e contemplado o momento presente como um presente dos deuses. Agora me dei conta de que a vida ainda distribui sorrisos infantis para quem for capaz de absorvê-los na hora do jantar, nas ruas preenchidas por pessoas apressadas mas humanas, no céu azulado que esconde o inconsciente coletivo de quem quer ser feliz e se dissolve feito núvens delicadas. Agora me dei conta de que o sol... sabe de mim também.

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