domingo, 8 de março de 2020

NOBRE ALIMENTO



Todos os dias fatiamos a realidade e os legumes, fragmentamos os eventos e o peito de frango, abrimos fissuras na alma e na casca do ovo. Todo momento nasce inteiro até que o deixemos com fratura exposta.  Nossa eterna mania de fazer perguntas e abrir as portas da razão, para que a luz entre, se parece com a preparação dos alimentos. Lavando, descascando, eliminando partes indesejadas, picando, temperando, cozinhando a fogo brando, provando, correndo diante da pressa da fome, inalando essências, a gente abraça a transformação como um exercício artístico para agradar a quem estiver por perto, mas a quem mais interessa a mudança, nós mesmos, menos se usufrui dos pratos preparados. Ficamos com as louças sujas, o cansaço de ter que agradar a todos sem ser reconhecidos, as críticas de nossas imperfeições ou até mesmo a ingratidão dos visitantes de nosso destino. Se não fragmentássemos tanto a realidade, permaneceríamos mais inteiros e alimentados.

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