sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O GRITO E A DOR


Quando uma tragédia acontece fica difícil aceitá-la, pois nos esquecemos de que ela já aconteceu e não há nenhuma forma de rebobinar o filme da vida para mudar o resultado fatídico. Sempre que recusamos um acontecimento, nós o recusamos pois aconteceu sem a nossa consulta ou sem a nossa concordância. Buscamos culpados por todos os lados como se isso fosse mudar alguma coisa, buscamos fazer justiça com as próprias mãos como se a justiça fosse a condenação dos outros decretada exclusivamente por nós, buscamos respostas lógicas para a morte como se ela assim o fosse. Esbravejamos nosso estoque de raiva, queimamos nossa cota de palavrões e de injustiças do ano, tudo para sermos ouvidos em nossa indignação confundida com dor.


A dor é silenciosa, pungente, molhada, recolhida. A dor é consciente, inseparável do corpo, sabedora da perda de referenciais. A dor é imensurável, é de nossa propriedade emocional, é um livro que não quer ser lido. O grito é a voz alta da crença, instigada pelos conteúdos mentais. O grito é um jargão, um despautério, um pedido de atenção sobre si maior do que a atenção dada à tragédia. A dor quer solidão. O grito quer plateia.


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