Quando uma tragédia acontece fica difícil aceitá-la,
pois nos esquecemos de que ela já aconteceu e não há nenhuma forma de rebobinar
o filme da vida para mudar o resultado fatídico. Sempre que recusamos um
acontecimento, nós o recusamos pois aconteceu sem a nossa consulta ou sem a
nossa concordância. Buscamos culpados por todos os lados como se isso fosse
mudar alguma coisa, buscamos fazer justiça com as próprias mãos como se a
justiça fosse a condenação dos outros decretada exclusivamente por nós,
buscamos respostas lógicas para a morte como se ela assim o fosse. Esbravejamos
nosso estoque de raiva, queimamos nossa cota de palavrões e de injustiças do
ano, tudo para sermos ouvidos em nossa indignação confundida com dor.
A dor é silenciosa, pungente, molhada, recolhida. A
dor é consciente, inseparável do corpo, sabedora da perda de referenciais. A
dor é imensurável, é de nossa propriedade emocional, é um livro que não quer
ser lido. O grito é a voz alta da crença, instigada pelos conteúdos mentais. O
grito é um jargão, um despautério, um pedido de atenção sobre si maior do que a
atenção dada à tragédia. A dor quer solidão. O grito quer plateia.